quinta-feira

Freyja - uma deusa nórdica


FREYJA - “A SENHORA”
FRIJA, FREA, FRO, FROWE, VANADIS, MARDÖLL, HÖRN, SYR
TEXTO TIRADO DO LIVRO “RAGNARÖK.O CREPÚSCULO DOS DEUSES”
MIRELLA FAUR

Citando Snorri Sturluson, Freyja era “a mais gloriosa e brilhante das deusas nórdicas”, considerada “A Senhora” e seu irmão Frey “O Senhor”, ambos invocados para atrair a fertilidade da terra, a plenitude e prosperidade das pessoas. Filha dos deuses Nerthus (da terra) e Njord (do mar), Freyja fazia parte das divindades mais antigas, Vanir, e foi cedida junto com o pai e o irmão aos Aesir, como parte do armistício firmado entre os dois grupos de deuses. Quando ela apareceu em Asgard os deuse ficaram tão impressionados pela sua beleza e graça, que lhe deram como presente o reino de Folkvangr e o palácio de Sessrumnir.
Alguns autores consideram Freyja e Frigga como facetas de uma mesma deusa, porém as diferenças são óbvias, sem dar margem a esta simplificação. Frigga era a padroeira da vida doméstica e da paz, protetora dos casamentos, dos filhos e das famílias; Freyja era a regente da fertilidade, do amor, da guerra, da morte e da magia feminina. No livro “Mistérios Nórdicos” são relatados comparações do arquétipo de Freyja com deusas de outras culturas, identificando suas semelhanças e atributos comuns.Freyja vivia na planície de Folkvangr (“campo do povo”no palácio Sessrumrir (“muitos salões”e viajava em uma carruagem puxada pelos gatos Tregul (“ouro da árvore” ou âmbar) e Bygul (“ouro da abelha” ou mel). Apesar de ser regente do amor, ela não era apenas beleza e ternura, pois adquiria um aspecto marcial quando colocava sua armadura, empunhava o escudo e a espada e assumia a condição de condutora das Valquírias, cavalgando diariamente junto delas para escolher a metade que lhe pertencia dos guerreiros mortos em combate. Este direito foi dado a Freyja por Odin, como recompensa por tê-lo iniciado na prática da magia seidhr, por isso Freyja podia escolher quais dos heróis queria para levá-los consigo, os demais cabiam a Odin. Ela também recebia nos seus salões os espíritos das mulheres que tinham morrido de maneira heróica ou se imolavam para acompanhar os maridos mortos em combate.
Snorri menciona que Freyja era casada com Odr, um desconhecido deus, pai de suas filhas Hnoss e Gersemi, marido que, misteriosamente, se ausentava por longos períodos. Freyja saia à sua procura, assumindo outros nomes (Mardoll, Syr, Menglad) e derramava lágrimas de ouro, por isso o ouro é chamado nos poemas escandinavos de “lágrimas de Freyja”. Odr ou Odur pode ser visto como a manifestação de Odin como andarilho ou a personificação do Sol de verão, que despertava calor e paixão. Quando ele estava ao seu lado, Freyja era feliz e sorridente, na sua ausência, a tristeza e a solidão a levavam para perambular pelo mundo, perguntando a todos pelo seu marido. Finalmente ela o encontrava nas terras quentes do Sul, onde a sua união era espelhada pela plenitude da natureza no verão. Dizia-se que depois Freyja convencia Odr para voltar com ela para as terras do Norte, fato refletido pelo despertar da natureza na primavera nórdica, que acontece mais tarde do que no Sul.
As duas filhas de Freyja – Hnoss e Gersemi – representavam a continuidade dos aspectos maternos, sendo reverenciadas como deusas do amor. Hnoss significava “tesouro” e Gersemi “jóia” e elas personificavam a beleza divina, presente em todos os lugares, todos os momentos e em todos os seres. Apesar de não aparecerem nos mitos, elas simbolizam o despertar do amor, a capacidade de entrega e a energia da sensualidade e sexualidade.
Freyja tinha inúmeros títulos e nomes que descreviam a ampla gama dos seus atributos. Como Vanadis, Freyja era regente das Disir, as matriarcas e ancestrais tribais, reverenciadas no festival Disablot, em 31 de outubro, e que personificavam as forças da natureza (benéficas e destrutivas). Val Freyja era a condutora das Valquirias, que recolhia a primeira metade dos espíritos dos heróis mortos nas batalhas (deixando a outra metade para Odin) e os levava para os salões do seu palácio Sessrumnir.
As qualidades luminosas de Freyja apareciam nos nomes Vanabrudr, “A noiva brilhante dos Vanir”, Mardöll ou Mardal significando “Brilho dourado da água iluminada pelos raios do sol poente”. Como Heidhr ou Heide, “A brilhante”, Freyja era a maga que ensinou a magia seidhr a Odin. Como Gullveig ”Ávida pelo ouro”, ela regia a vitalidade mágica e a luz dourada, além da cobiça pela riqueza. Em outras manifestações, Freyja é Hörn “A fiandeira” regente das forças vitais femininas, do linho e da arte de fiar, Syr “A porca”, guerreira e protetora dos animais domésticos, regente da fartura, Gefn “A generosa”, atributo que providenciava sorte e bem-estar.
Nas suas peregrinações Freyja espalhava as sementes do amor e desejo e expandia seu poder e domínio, assegurando o fluxo dinâmico de energias em Midgard, que regiam a vitalidade, fertilidade, reprodução, riqueza, bem estar e os ciclos das mudanças cósmicas, além da magia seidhr e da guerra. O título Fru indicando “mulher que tem domínio sobre seus bens” tornou-se com o passar do tempo sinônimo de “mulher”, enquanto Frowe, Frau indicam uma “senhora” (o mais antigo nome de Freyja).
Por ter sido a deusa nórdica mais amada e reverenciada, o arquétipo de Freyja foi – e continua sendo – bastante conhecido, apesar da censura cristã causada pela sua intensa sexualidade. Diferente da figura mais conservadora e familiar de Frigga, que personifica o poder feminino na área doméstica e social, Freyja representa a força mágica – da natureza e da mulher -, selvagem, sedutora, magnética, sexual e indômita. No poema Lokasenna ela é acusada por Loki de lascívia e promiscuidade; na transcrição dos mitos esta “suspeita” levou à perda de muitos detalhes associados com seus mitos e cultos. Além da idiossincrasia cristã à qualquer referência – mítica ou histórica – ligada a ritos sexuais, muitos escritores transformaram Freyja em uma figura meramente sensual, uma fantasia para os desejos e a cobiça masculina (dos deuses, gigantes e mortais). No entanto, Freyja somente aceitou se entregar pela sua própria vontade e escolha, como no famoso caso da obtenção do precioso colar Brisingamen, recebido ao fazer amor com quatro anões ferreiros. Tampouco foi coagida pelos deuses para se entregar a algum dos gigantes, mesmo que a sua recusa podia trazer sérias consequências para Asgard (como foi relatado no mito do “roubo do martelo de Thor”). Em certos aspectos, Freyja pode ser vista como a contraparte feminina de Odin: ambos têm poder mágico, perambulam pelos mundos, escolhem amantes entre deuses e mortais, repartem os espíritos dos guerreiros mortos em combate e são poderosos adversários nos desafios e disputas. Diferente do seu irmão Frey, Freyja não promove a paz, mas incita a discórdia, como revela o mito de Gullveig. A missão de apaziguadora era desempenhada por Frigga e suas acompanhantes. Na sociedade nórdica era importante manter a paz e para isso eram feitos acordos, alianças e casamentos entre tribos em conflito. No entanto, muitas vezes, a união forçada ou o amor não compartilhado, podiam causar duelos e mortes dos rivais, ou vinganças dos homens cujas mulheres os traíram ou abandonaram. Nestes casos, percebia-se a atuação da força mágica e sexual de Freyja e a necessidade da conciliação e harmonia conjugal promovidas por Frigga.
A magia praticada pela Freyja e suas sacerdotisas era Seidhr, cujo objetivo principal era perceber a complicada tessitura do Wyrd e compreender o desenrolar dos eventos futuros. A prática incluía o desdobramento e a projeção astral através dos mundos sutis, buscando informações dos seres sobrenaturais ou dos espíritos ancestrais, realizando depois atos mágicos em benefício dos consulentes. Freyja personificava o desejo e o prazer erótico, a abundância, plenitude e prosperidade; as lágrimas por ela derramadas sobre a terra tornavam-se ouro, as que caíam sobre o mar, em partículas de âmbar. Por ser associada com o Sol e o âmbar, na Alemanha Freyja era chamada de “porca dourada”, equivalente do seu título Syr ou Vana Solen -“belo Sol”-, sendo representada cercada por uma coroa de raios solares.
O culto de Freyja era realizado na natureza e muitos nomes de lugares que guardam sua memória, são associados com campos, clareiras, lago, floresta, rochas, mar. Freyja era cultuada por mulheres – solteiras, divorciadas, viúvas – assim como por homens e guerreiros, que lhe ofertavam sacrifícios e lhe erguiam altares. Um dos seus fervorosos adoradores (e suposto amante) Ottar, lhe ergueu um altar de pedras empilhadas, tingidas com sangue e vitrificadas pelo fogo das queimas de oferendas.
O símbolo de Freyja era seu colar Brisingamen denominado “colar ardente” ou “pedras das ondas”, uma referência poética ao âmbar e à luta de Loki e Heimdall (metamorfoseados em focas) pela sua posse. O colar era o mais antigo símbolo de poder e riqueza dos povos escandinavos e celtas, tendo sido usado por monarcas, sacerdotes, chefes guerreiros e ofertado aos deuses (como comprovam os inúmeros colares de ouro encontrados nos pântanos e lagos). O colar representava glória, a corona solar, riqueza e poder. Os poetas dedicavam para Freyja canções de amor, como as islandesas mansöngr ou minnegesung que visavam inflamar as paixões humanas e que foram proibidas após a cristianização, por lhes serem atribuídos poderes de magia sexual, “encantando” e “amarrando” os parceiros.
Os animais totêmicos de Freyja eram gato, lince, falcão, doninha, porca, cuco, andorinha, borboleta e joaninha. Uma pintura alemã do século XII retrata uma mulher nua, cavalgando um felino listrado e segurando um chifre na sua mão; o felino podia ser um gato ou tigre siberiano, indicando uma possível influência das crenças xamânicas do Nordeste europeu. O gato é sempre associado com Freyja, devido aos seus atributos de beleza, sensualidade, agilidade, astúcia e mistério. Dizia-se que os gatos controlavam o brilho solar; depois da cristianização Freyja foi reduzida à uma figura demoníaca, suas sacerdotisas a bruxas, que voavam sobre vassouras acompanhadas de gatos pretos, seus servidores. Às vezes Freyja cavalgava um javali chamado Hildisvini (“porco guerreiro”) confeccionado magicamente pelos anões, o que reforça o seu título de Syr (“porca”). Em um dos seus mitos é mencionado Ottar, um guerreiro adorador ou amante de Freyja, que ela transformou em javali para poder mantê-lo perto dela, usando-o como montaria. Existem referências históricas sobre o uso de máscaras e peles de javali pelos sacerdotes e adeptos dos cultos de Freyja, bem como por guerreiros, que acreditavam na proteção a eles conferida, pela deusa e o seu animal totêmico. Outros registros das regiões bálticas mencionam a influência das divindades Vanir, principalmente o culto de Freyja e o papel predominante das mulheres nas artes mágicas (seidhr) e divinatórias (uso das runas).
O mito de Gullveig
Um episódio descrito no poema Völuspa menciona uma misteriosa mulher chamada Gullveig, que provocou a guerra entre os Aesir e Vanir e despertou a cobiça pelo ouro (seu nome foi interpretado como “bebida de ouro” ou “a dourada”). Descrita como maga e vidente, Gullveig representa um arquétipo enigmático e controvertido, que deu margem a inúmeras especulações acadêmicas e literárias.
No poema citado relata-se a súbita aparição de uma deusa Vanir em Asgard, despertando com suas palavras a cobiça dos deuses pelo ouro, considerado até então um metal destinado apenas à confecção de objetos mágicos e ritualísticos. Enfurecido, sem nenhuma razão aparente, Odin a atravessa com sua lança e os deuses a queimam por três vezes, mas cada vez ela surge ilesa das chamas. Por pertencer aos Vanir, o tratamento a ela dispensado pelos Aesir foi visto como uma ofensa imperdoável, um fato injusto e violento que determinou a guerra entre eles. Como nenhum dos grupos de deuses vencia, foi feito o armistício com a decorrente troca de reféns e a criação de Kvasir (descrita no respectivo verbete).
Analisando o mito sob um prisma diferente, a hostilidade inexplicável dos Aesir representa uma metáfora do confronto entre as antigas divindades da Natureza (Vanir) e a nova ordem patriarcal e guerreira estabelecida pelos Aesir. Gullveig é vista como a causadora da discórdia por representar a magia seidhr – exclusiva dos Vanir – e que, por incluir controle mental, contato com forças sobrenaturais e práticas mágicas, era algo desconhecido e temido pelos Aesir. Outra interpretação supõe que a presença de Gullveig como “ouro intoxicante” (tradução do seu nome) desestruturou a ordem social vigente e incitou a cobiça pelo ouro, o que levou à violência, guerra, pobreza e fome, induzindo os Aesir a matá-la.
O escritor Edred Thorsson afirma que, na terceira vez em que Gullveig é queimada, ela ressurge como Heidhr, “A brilhante”, um dos títulos de Freyja, fato que justifica a interpretação de Gullveig como hipóstase ou disfarce de Freyja. Como Freyja não fez parte dos reféns cedidos pelos Vanir como parte do armistício com os Aesir, Gullveig foi a maneira usada pela Freyja para entrar em Asgard por sua livre escolha. Depois de ser testada pelos Aesir e passar por todos os testes aos quais foi submetida sem ser destruída, ela ressurge fortalecida e brilhante, sendo aceita como deusa em Asgard, mesmo sendo uma Vanir. Heide ou Heidhr era também o nome da völva ressuscitada por Odin no reino de Hel para indagar sobre o futuro de Baldur, além de representar o aspecto mágico de Freyja como mestra seidhr.
Juntando os detalhes isolados, provenientes de vários mitos, conclui-se que Gullveig era uma persona mágica usada por Freyja e que, ao passar pela iniciação do fogo (sacrifício, morte e renascimento das chamas) ela revelou sua natureza múltipla e seus poderes xamânicos e mágicos.
O mito de Brisingamen.
Considerado por alguns autores como cinto, por outros como colar, seu nome vem de brising “fogo” e é considerado o símbolo dos poderes de fertilidade, sexualidade e magia de Freyja, associado também com a aurora boreal. O mito relata a viagem de Freyja até o reino dos anões, para lhes encomendar uma jóia especial de ouro, que não tivesse igual no mundo, como beleza, formato e poder. Os anões lhe impuseram como condição uma noite de amor com cada um dos quatro grandes mestres ourives. Uma interpretação mais livre considera os anões como personificações dos atributos e qualidades dos quatro elementos, correspondendo aos guardiões arcaicos das direções citados no mito da criação (Nordhri, Austri, Sudhri, Vestri). O quinto seria o próprio colar, a quintessência que integra todos os elementos e lhe confere a beleza e o poder mágico de Freyja. Brisingamen representa, portanto, o poder de manifestação de Freyja, que ultrapassa o nível meramente sexual, sendo a atração sinérgica que abre portas mútuas para o despertar do amor e o florescimento da abundância.
Freyja é a regente da paixão – seja amorosa, seja pela plena realização na vida – e ensina como ter coragem, força e fé para alcançar objetivos e desfrutar o prazer. Para a conexão com Freyja, no altar devem ser colocados itens que representem beleza, poder feminino, atração, magia e abundância (como flores, perfumes, jóias de ouro ou âmbar, pedras preciosas, símbolos rúnicos, uma imagem de gato ou lince, imã ou magnetita, fitas vermelhas trançadas ou com nós, a representação de Freyja em um dos seus aspectos). Na meditação, podem ser pedidos seus dons: para aumentar a sensualidade e o poder de sedução; para ativar a intuição no uso do oráculo rúnico; para proteção e sabedoria nas práticas mágicas e nos rituais. Ofertam-se depois como gratidão: rosas vermelhas, gerânios e hibiscos, uma pedra (do Sol, olho de gato, de lince ou de falcão), um pedaço de âmbar, mel e vinho tinto, de preferência numa sexta feira, nas horas mágicas (múltiplas do número três).
As runas associadas à Freyja (Fehu, Kenaz, Berkano) acrescidas às do seu nome (como Frowe e Freyja) reforçam as suas características energéticas e mágicas: fogo, energia vital e sexual, riqueza, mistérios do mundo oculto e da morte, alegria, amor, inspiração, fertilidade, plenitude e sabedoria.

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